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São Paulo, Brasil
11/06/2018 - 14/07/2018

“As coisas na vida acontecem por acaso. Eu embarco nelas ou não”, escreveu certa vez o poeta Ferreira Gullar. Os relevos, nascidos do acaso, habitavam um universo particular do artista. A beleza e o colorido das obras que criou encantam o olhar: há um surpreendente contorcionismo de verso e reverso que emerge das formas. São esses os trabalhos que o público poderá conferir em Relevos, exposição organizada pela Dan Galeria em parceria com a UQ! Editions, entre 9 de junho e 14 de julho.

A mostra dá continuidade ao lançamento de A Revelação do Avesso, livro de arte de edição limitada lançado em 2014, no mesmo espaço. A obra trazia 60 relevos, de três exemplares cada, reproduzidos em aço e acompanhados de um livro com poemas do próprio Gullar. A edição esgotou-se rapidamente. O autor do Manifesto Neoconcreto (1959), que lançou as obras de Lygia Clark e Helio Oiticica, estava aos 84 anos de idade, na plenitude do viço e do frescor criativo. Agora os originais em papel destes 60 relevos, nunca mostrados antes, são apresentados pela primeira vez.

As colagens em relevo de Gullar nasceram, de fato, do acaso. Segundo o próprio autor, ele já os fazia há tempos. Divertia-se em meio ao processo de escolhas de cores e surpreendia-se com as formas inesperadas que surgiam enquanto recortava o papel. Em determinado dia, colocou os recortes sobre um desenho para em seguida colá-los. A cena foi interrompida por seu gato, que estapeou abruptamente as folhas de papel, desarrumando os recortes. “Colei-os tal como estavam: disso resultou que o desenho era a ordem e os recortes coloridos, a desordem”, escreveu no texto de A Revelação do Avesso.

Poeta e crítico, Gullar nunca deixou de ser artista – à sua maneira, como ele explica no mesmo texto: “Me convenceram, alegando que não importava se eu sou ou não artista plástico; importava é que as colagens em relevo eram bonitas e originais. Tomei-me de entusiasmo e continuei a produzir estas colagens em relevo, que me divertem muito. Se são arte ou não, pouco importa, já que não me pretendo artista mesmo”.

Lançada pela UQ!, editora de Leonel Kaz e Lucia Bertazzo, a edição, hoje, é considerada uma raridade entre colecionadores e entusiastas da arte. “Gullar era ético, estético, poético… e muito divertido. Não economizava nada, nem em integridade, nem em gestos ou palavras com que a expressamos. Ele dizia que ‘a vida não basta’, por isso precisava ser reinventada a cada dia. Dizia também que a criação vinha de um espanto. E do entusiasmo que colocava em tudo. Estes relevos, nascidos do entusiasmo e do acaso, são aqui apresentados como o que são: marcas significativas para a história da arte brasileira”, pontua o editor.